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quinta-feira, 18 de abril de 2013


sexta-feira, 12 de abril de 2013

Efeito Katilce

Como o Youtube, o Second Life e outros recursos da Web 2.0 vão mudar o setor da educação.
Maurício Garcia, julho de 2007.

Há algum tempo, a banda U2 esteve no Brasil para uma série de shows. Eu estive em um destes, no Estádio do Morumbi. Num determinado momento do show, a estrela da banda, o vocalista Bono, pegou pelo braço uma garota e colocou-a no palco. Foram poucos minutos em que a jovem esteve bem próxima do super-star, com direito a dança, brincadeiras e até um “selinho” no final. A menina era uma mineira chamada Katilce Miranda Almeida.
No dia seguinte, alguns internautas descobriram que a Katilce tinha um perfil no Orkut e começaram a mandar mensagens (scraps), cumprimentando a felizarda. A notícia correu pela rede de uma forma viral, que milhares de pessoas começaram a enviar freneticamente mensagens para a Katilce. O fenômeno foi tão surpreendente que a Katilce recebeu, em 2 dias, quase 3 milhões de mensagens. Foram quase 20 mensagens por segundo. Eu mesmo cheguei a mandar uma mensagem para ela, para ver o fenômeno. Foi incrível, pois eu sequer consegui ver a minha mensagem, já que na fração de tempo entre eu enviar a mensagem e a página ser recarregada na tela, dezenas de outras mensagens entraram na frente da minha, que se perdeu na torrente de mensagens. Em poucas horas já existiam dezenas de comunidades como "Quando é que sai a Playboy da Katilce?", "Quero ver Katilce no Jô Soares" ou até mesmo "Katilce para presidente".
Eu fiquei profundamente intrigado por que motivo tantas pessoas mandaram mensagens para a Katilce. Mensagens que ela não leu, pois foram milhões, e que quem enviou também não leu, pois se perderam na enxurrada. Aquilo ficou na martelando na minha cabeça: “O que leva uma pessoa mandar uma mensagem que sabidamente não vai ser lida?”.
O fato é que o comportamento viral na Internet tem sido uma constante. O próprio Orkut tornou-se um fenômeno, com dezenas de milhões de usuários cadastrados. Praticamente todo estudante de ensino superior participa desse site de relacionamentos.
A Wikipedia é outro fenômeno desse tipo. Criada como uma enciclopédia virtual em que os verbetes são construídos e atualizados livremente pelos visitantes, ela se tornou uma referência de consulta, inclusive incorporada pela poderosa ferramenta de busca do Google. A versão em inglês da enciclopédia, a maior, possui quase 2 milhões de verbetes construídos através de cerca de 150 milhões de atualizações desde julho de 2002. São milhares de atualizações por dia, feitas de forma espontânea, voluntária e, na maior parte das vezes, anônima pelos seus visitantes.
Parece existir um denominador comum entre esse fenômeno e o caso da Katilce. As pessoas querem participar, fazer parte de algo que está acontecendo. Ninguém obriga essas pessoas a fazer isso, elas fazem porque querem. Eu chamo isso de “Efeito Katilce”. Talvez seja um sinal dos tempos, em que o agitado cotidiano deixa as pessoas carentes de relacionamentos, mas o “Efeito Katilce” tem se mostrado em vários outros fenômenos da Internet.
O Youtube é outro caso emblemático. Quem poderia imaginar que um portal que exibe vídeos colocados pelos seus usuários pudesse se tornar uma febre na rede, a ponto dele ser arrebatado pelo Google, pela bagatela de US$ 1,6 bilhão. E vale a pena notar que, no momento de sua venda, o Youtube dava um prejuízo mensal de alguns milhares de dólares. Isso quebra todas as regras de “valuation”. Dentro do próprio Youtube, o efeito viral se replica. Em poucos dias, vídeos que beiram o ridículo se tornam fenômenos de audiência, como o “Tapa na Pantera” (http://www.youtube.com/watch?v=6rMloiFmSbw) e o “Vai tomar...” (http://www.youtube.com/watch?v=dHpSCHxb780) . Esse último vídeo, junto com suas versões, chegou a ser acessado por cerca de 100 mil pessoas por hora.
Agora, a bola da vez parece ser o Second Life. Os usuários desse programa podem passar por uma experiência virtual tridimensional, criando um personagem e andando pelos intermináveis ambientes produzidos pelos outros usuários. Praticamente todas grandes empresas já têm algo construído em algumas das ilhas do Second Life.
O que há de comum em todas essas novidades é a forma como o usuário lida com o ambiente virtual. Na Web tradicional, os sites funcionam como folhetos virtuais, aonde usuário vai e “pega” algo. Nessa nova Web, que vem sendo chamada de Web 2.0, o usuário pode também deixar algo. É isso que faz a diferença, não é só “download”, há também o “upload”. Não importa se é um vídeo, um verbete de uma enciclopédia ou uma mensagem para a Katilce, mas as pessoas querem participar ativamente, querem deixar algo, não querem ser somente espectadores. Se Piaget fosse vivo ele iria adorar...
O que é fantástico em toda essa história é o contraste da excitação e do frenesi dos jovens para participar de tudo isso, com a apatia e desinteresse que os professores se queixam dos mesmos na sala de aula. É uma pena que a maioria dos professores ainda não se deu conta que não existe mais aquele cândido aluno, sentado de maneira comportada em sua carteira, a ouvir as preleções de seu mestre. O que pode parecer melancólico para alguns, para mim é uma fantástica oportunidade. Quem souber trabalhar pedagogicamente com o “Efeito Katilce” vai mudar a história da educação. Mais cedo ou mais tarde, isso vai acontecer.
Além disso, é bobagem dizer que o aluno está muito fraco, sem base e que não consegue aprender. Ouço muito isso em muitas instituições que visito. Na verdade, ele sabe aprender e faz isso sozinho muito bem. Quem precisa se preocupar em ensinar um jovem a usar o MSN? Quem já mandou seu filho fazer um curso de Orkut? É impressionante como eles aprendem rapidamente. Eu me lembro que até pouco tempo os pais queriam que seus filhos fizessem cursos de informática, para aprender a “mexer no computador”. Isso acabou, eles aprendem sozinhos e muitas famílias hoje precisam lidar com os problemas que agora aparecem pela fixação excessiva dos jovens no computador, muitos pais têm que impor limites. Quem poderia imaginar isso?
O que os jovens não aprendem, na verdade, é a classificação das plantas em angiospermas e gimnospermas, a diferença entre um advérbio e um adjunto adverbial, a fórmula de Bhaskara para resolver a equação do segundo grau e os fatores predisponentes para a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos. Agora, cá entre nós, além dos professores, quem sabe isso?
O que penso, assim, é que os novos tempos nos mostram que existem muitas oportunidades para mudanças no processo pedagógico, mas primeiro é preciso jogar
fora tudo aquilo que conhecemos sobre educação. Quem está disposto a fazer isso? Conheço pouca gente que aceita, a academia é muito conservadora.
Não precisamos mais de salas de aula. Não tem cabimento mais um professor ficar na frente da sala “dando” aula. Isso fazíamos no tempo em que a professora passava o “ponto na pedra”. Na verdade, a preleção como centro da didática foi algo formalizado pelos jesuítas, no século XVI, em seu “Ratio Studiorum”, talvez um dos primeiros PPIs (Projeto Pedagógico Institucional).
Hoje, o conhecimento se multiplica de uma forma exponencial e quase tudo está disponível na Internet. O Youtube, por exemplo, tem vídeos fabulosos que podem ser trabalhados com os alunos, mas desconheço as plataformas que estão totalmente integradas a essa tecnologia. Quem já se reuniu com seus alunos no Second Life?
O pouco que comecei a fazer neste sentido tem me deslumbrado. As oportunidades são inúmeras e, principalmente, é muito divertido. Em pouco tempo, a educação será totalmente diferente daquilo que conhecemos e quem sair na frente vai ficar em vantagem. Katilce que se cuide.

Maurício Garcia, PhD, é especialista em gestão educacional e entusiasta de novas tecnologias aplicadas à educação.
http://www.mgar.com.br

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